terça-feira, 8 de abril de 2014

Tudo dança em torno de ti

Clarice não tinha mais forças para chorar. Chorou o que tinha que chorar. E não aguentava mais.
Não aguentava aquela situação perturbadora. Clarice queria também ser notada. Ninguém notou a sua dor ilhada dentro de si.
Assim que amanheceu, Clarice enxugou as lágrimas. Sim, ela passou a noite chorando. Não deveria, mas foi preciso.

Ouviu um barulho no trinco da porta e, automaticamente, retornou à cama. Se debruçou com o travesseiro para engolir o resto do choro.
Lá estava o Paulo voltando de algum lugar que não seria o seu escritório de sei lá o quê. Assim que trancou a porta, jogou as chaves na mesa de centro da pequena sala de estar de um apartamento que ele e a Clarice construíram juntos.
Paulo se jogou no sofá. Clarice permanecia fingindo que estava dormindo. Ou quase isso.
Não sei qual era o pretexto de Paulo ao se justificar que ficou até mais tarde no trabalho. Clarice acreditava nele. Só não acreditava em sua mente inquieta.

Assim que o sol refletiu um brilho avassalador na janela do quarto do casal, Clarice despertou e se dirigiu até a sala.
- Paulo?
O Paulo dormia como um anjo que caiu do céu destrambelhado.

E então, Clarice decidiu em não despertá-lo. Retornou ao seu quarto, pegou uma mala, colocou algumas roupas e acessórios dentro dela, se vestiu com uma calça jeans escura, uma blusinha estampada e calçou uma sapatilha branca com poucos detalhes. Ainda assim, permaneceu calada. Arrumou os cabelos ruivos, e além disso, arrumou a cama do casal. Assim que sentiu que estava pronta para partir, Clarice pegou a sua caderneta, caçou uma caneta numa das gavetas da cômoda e escreveu o que sentia. Destacou a pequena folha decorada com flores e a deixou no centro da cama. E partiu. Sem lágrimas e sem bater a porta.

O telefone tocou, Paulo acordou assustado. Correu para atender a ligação, mas não deu tempo. Viu que o relógio apontava dez e trinta da manhã. Tentou raciocinar com o que se passara antes disso. E fingiu que estava tudo bem.

Ele olhou para a porta do quarto onde ele e Clarice dormiam. Se direcionou até lá, e assim que chegou na porta do quarto, viu que  a mulher que sempre o amava em dobro não estava mais deitada naquela cama como antes.

Ele viu que era o fim: um bilhete no centro da cama.
Se sentiu culpado, mas nem por isso deixou de se sentar na ponta da cama, olhar para o pequeno papel e lê-lo.

"Paulo, meu grande amor que sempre amei. Tive que partir. Não quis te incomodar com o meu choro abafado, e nem te dar satisfações das quais eu sempre pedia a você. Talvez a minha precipitação fosse o meu grande erro. Talvez a sua falta de atenção fosse o motivo da minha partida.
Um dia, voltarei e falarei para ti que estou bem. Mas, enquanto esse dia não chega, assim vou trilhando o meu caminho. Sozinha. E em silêncio.
Até breve.
Clarice."

Por incrível que pareça, Paulo também chorou. E chorou sozinho. Chorou por tudo aquilo que ele não tinha feito por Clarice, mas também chorou por alívio.

Não sei se um dia eles voltaram a se reencontrar. E se voltaram, talvez o silêncio fosse o pretexto, pois o destino já não existia mais. Não para os dois. E não para as lágrimas.

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