quarta-feira, 18 de junho de 2014

Da mais besta e vã alegria

Juro que eu tentei enxergar a Pitty que eu conhecia em 2004 nesta nova fase, nesta nova empreitada. Mas percebi que os tempos são outros e “SETEVIDAS”, novo álbum da cantora, veio para tirar o fôlego.  O meu, aliás.

A primeira vez que eu ouvi uma música da Pitty, lá em 2004 e graças a TV da minha amiga que estava ligada no canal MTV, transmitia o vídeo clipe “Admirável Chip Novo”. Eu tinha apenas dez anos de idade, estava na quarta série do ensino fundamental e me perguntava quem era aquela mulher que estava “robotizando” na TV. “É a Pitty, Ellen!” – “Pitty?”.
Desta minha interrogação veio à busca de saber sobre esta mulher, vieram admiração e alguns CDs.

Dois mil e quatorze. Passaram-se dez anos desta minha admiração por esta banda. Hoje eu curso Jornalismo, escrevo, leio, rio e choro. Mas diante destas inúmeras mudanças, aquele fogo de palha pela música e pelo crescimento sobre a banda Pitty nunca se apagou. Eu cresci também. Amadurecimento, sabe?

Quando eu decidi escrever uma resenha sobre o novo álbum da Pitty, pensei se sairia como “uma opinião de uma jornalista” ou “uma euforia de uma fã”. Dane-se.  E decidi sentar-me numa cadeira, e digitar no Word do computador o que eu penso.

“SETEVIDAS”. As letras juntas e em maiúsculas transbordam a clareza e a eficácia de que a Pitty não está só de passagem, afinal, ela ainda tem três vidas para gastar.

Após cinco anos do lançamento de “Chiaroscuro” (2009), Pitty guardava-se para si. Eu via o quanto os fãs ansiavam e aguardavam por um disco de rock. Mas lá estava o Agridoce num tom folk e meigo. A Pitty se arriscou de uma forma tão bonita, que me bateu um orgulho tão bom, mas tão bom. Gosto de gente que se arrisca.


As mudanças, tristezas, transformações resultaram nas composições que Pitty fez a este novo disco.
As canções que seguem como se fosse um roteiro de um filme, traz as inúmeras fases de Pitty. O disco inicia com “Pouco”, primeira faixa que tem um peso nas guitarras de Martin, traz a dor imensa, o desconforto, o intenso.

“Deixa Ela Entrar” é a sorte batendo em sua porta, insistindo para que você abra, afinal, assim como a sorte chega, ela também vai embora sem ao mesmo você ver. Ou finge que não vê. Então persista.

“Pequena Morte” é o tesão. Sim, tesão. Prazer dividido em dois seres. Satisfação. Pitty se expõe ao desejo. A sensualidade se sobrepõe aos versos da melodia.


Como se estivesse conversando com um garçom após ter tomado três tequilas, em “Um Leão” condiz com uma sintonia inabalável. As tequilas fizeram efeitos intermináveis. Arriiscando-se mais uma vez.

Em uma canção como uma despedida melancólica, “Lado de Lá”, assim que ouvi, lembrei-me do Peu (ex-guitarrista da banda). Foi embora de uma forma tão triste, tão grosseira, que na quinta faixa do disco, Pitty suplica para que o amigo – e tantos bons que já foram, - guarde pra ela um bom lugar.

Neste roteiro a dor permanece em “Olho Calmo”, porém, a canção transparece fortaleza ao mesmo tempo. Respire um dia de cada vez. 2013 foi um ano de revira-e-volta na vida pessoal da Pitty. A saída de Joe (ex-baixista)  abalou-se, sim, as estruturas, mas, depois do rancor, respirar.

Já posso dizer que tenho uma música preferida neste álbum avassalador? Sim, posso! Está cravada em “Boca Aberta” toda a identificação que tive com a letra. Mais uma vez um tapa na (minha) cara.
De forma direta (ou não), a letra transmite anseios, manias e costumes de uma sociedade que vive “na mesmice”. Tragam tudo sem ao menos se questionar. Por quê? Ainda não sei.

Porém, “A Massa” está ali, metaforicamente dizendo o que precisa e como precisa ser feita a receita. Beba, compre, venda. É a massa, meu bem.

“Setevidas” é o auge deste filme. Ela, eu, você morremos. E vivemos. E renascemos. E sobrevivemos. E morremos de novo. Até que nós mesmos podemos gritar aos quatro ventos que: voltemos! Quero ver nos aguentar! E assim seja.

“Serpente” é o alívio do recomeço. É o final feliz. Ou quase isso. É a troca do estar pelo ser (ou vice-versa). É o bem que venceu. É o resultado da angústia em forma de ver a quão esta mulher está bem. E procurando estar bem.

É sim da mais besta e vã alegria. É de parar a respiração. É de chorar, dançar e gritar junto. É de ver que a Pitty está de volta. De carne, osso e coração.



Foto: Pitty

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Uma dose de ilusão

A questão não era o por quê Jorge sentia tudo aquilo. Ele nem se importou quando a dose de conhaque acabara em seu copo. Aquele não era o motivo.
Jorge tinha obrigações como qualquer homem. Imaginava que Julia seria alguém que permitisse em amar qualquer coisa que pudesse ser insubstituível.
Julia foi embora antes do mês acabar. 
Mas, e daí?
Por incrível que pareça, Jorge não estava triste. Ele não precisava da tristeza.
Mas naquela segunda-feira, ele decidiu não ir trabalhar. Mal sabia onde deixara a chave da caminhonete.
Apenas ajudou a secar a garrafa de conhaque. Não era um refúgio. E sim, uma despedida.

"É claro que eu tinha planos dos quais você não sabia um terço. É claro que eu imagina o seu riso, a sua bronca e o seu jeito de estar e de ser. Mas você preferiu ir. Não te cobrei por isso, não te quis mais por isso. Eu sei que iremos nos reencontrar nesta vida, eu sei que irei conversar contigo. Não sou infantil a ponto de te ver passar em vão. Eu sei, Júlia, eu sei qual foi o seu motivo, mas por agora, dane-se."

Jorge queria ter a certeza que não iria sentir mais dor. Ele não sente mais dor. Ou finge que, como sempre, não sente a dor.
Ele voltou para a sala, pegou um livro e folheou como se aquele ato fosse a salvação.
Adormeceu.
E quando acordou, viu que tudo aquilo não era um sonho.