segunda-feira, 19 de março de 2012

Todo mundo é uma ilha.

Não me leve a sério, não me leve a mal, me leve para casa. Eu sou um bom rapaz, eu só bebi demais, preciso ir pra casa.Você me procurou, eu procurei dizer que não valia a pena. Você não escutou, você me acusou de estar fazendo cena. Não me leve a mal, mas eu não tô legal, quero ficar sozinho. Eu sou um bom rapaz, mas eu não sou capaz de seguir o teu caminho. Você não sabe o que eu sinto, você não sabe quem eu sou. A gente entrou num labirinto, eu dancei, você dançou.
Agora é tarde, já não tem mais jeito, já não tem saída. No fim das contas, a gente faz de conta que isso faz parte da vida. Eu caí, você caiu numa armadilha, a gente tenta se esquecer que todo mundo é uma ilha. Agora já é noite, já não faz sentido ficar se iludindo, no fim das contas a gente faz de conta que o mundo não tá caindo.
Você não sabe o que eu sinto, você não sabe quem sou eu. A gente entrou num labirinto, eu dancei, você dançou!
(Engenheiros do Hawaii)

quinta-feira, 15 de março de 2012

130 anos.

Caro é transforma-se em um arremedo de si próprio a ponto de nem se reconhecer mais.
Hoje eu tenho 130 anos, isso não estava nos meus planos.
Você sabe, a desordem é tenaz.
Tantos laços, tantas amarras, os controles, prentensões, nada adianta se o vento não soprar. Esse vento sob minhas asas, eu não mando mais em nada.
Sei que é alto, mas eu vou pular.
O que todos vão dizer? E aonde vão chegar? Nem os olhos podem ver...
Decidido, eu não volto pra casa!
O lar é o corpo, e todas as palavras que a vontade conseguir pensar. Segue o vento sob minhas asas, eu não mando mais em nada. Sei que é alto, mas eu vou pular...
(Agridoce)

quinta-feira, 8 de março de 2012

Cálice.

Pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue...
Como beber dessa bebida amarga, tragar a dor, engolir a labuta. Mesmo calada a boca, resta o peito, silêncio na cidade não se escuta. De que me vale ser filho da santa, melhor seria ser filho da outra.
Outra realidade menos morta. Tanta mentira, tanta força bruta.Como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano. Quero lançar um grito desumano que é uma maneira de ser escutado. Esse silêncio todo me atordoa, atordoado eu permaneço atento. Na arquibancada pra a qualquer momento ver emergir o monstro da lagoa.De muito gorda a porca já não anda, de muito usada a faca já não corta.
Como é difícil, pai, abrir a porta. Essa palavra presa na garganta, esse pileque homérico no mundo.De que adianta ter boa vontade mesmo calado o peito, resta a cuca. Dos bêbados do centro da cidade.Talvez o mundo não seja pequeno, nem seja a vida um fato consumado.
Quero inventar o meu próprio pecado, quero morrer do meu próprio veneno. Quero perder de vez tua cabeça, minha cabeça perder teu juízo. Quero cheirar fumaça de óleo diesel.
Me embriagar até que alguém me esqueça.
(Chico Buarque)