quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Acolher a prenda ou partir.

Já passavam das nove horas da noite quando Manuella trancava a porta de seu escritório de advocacia. Passaram-se também as alternativas do que ela poderia fazer para a janta.
Miojo ou lanche? Pensou. E estava faminta.
Mas antes de percorrer o longo caminho até chegar em seu apartamento, localizado em um bairro de São Paulo, Manuella teria que pegar um ônibus. Sentia-se revoltada quando pensava que e o seu carro, seu suado carrinho, estava no mecânico por quê o bendito motor deu problema. Manu, - como gostava de ser chamada pelos poucos amigos íntimos -, teria que andar uns quinze minutos até chegar no ponto de ônibus.
Acho que hoje será lanche na janta. Sua mãe vivia reclamando dessas suas jantas.
Estes poucos quinze minutos caminhando, além da janta, Manu pensava em Felipe. Manu pensava também como poderia resolver um caso importante que a tormentava. Seu relacionamento com o Felipe.
Caminhando vagarosamente, como se tentasse driblar suas vontades e angústias, Manu observava as pessoas. E estas pessoas não deixavam de observar a sua beleza. Cabelos ruivos, uma pele bonita, olhos azuis. Usava naquela noite, uma calça preta, uma camiseta básica e uma jaqueta cinza. Ela não ligava muito para vaidade. Mas não precisava. Ela era bonita por se só. Por ser só.
Gostava de pensar de como foi o dia. Bom ou ruim, Manuella fazia uma reflexão de qualquer jeito.
Chegou no ponto de ônibus. O ônibus não demorou. Ela entrou, e com um sorriso cativante e simpático desejou "boa noite" ao motorista, educadamente.
Era incrível a capacidade de sua educação.
Cumprimentou o cobrador também. Já na catraca, abriu a sua bolsa, caçou a carteira que ganhara de aniversário de seu pai, e retirou o dinheiro da passagem.
Manu costumava sentar-se nos últimos bancos. Mas nesta noite, decidiu sentar-se na anti-penúltima fileira de acentos, na direção do cobrador.
Sabia que enfrentaria quarenta minutos até chegar em seu apartamento. Manu morava sozinha.
Com o pensamento distante, traçou um dos braços na alça de sua bolsa, encostou a cabeça no encosto do banco, e encontrou-se pensativa. 
Pensara se ainda tinha presunto e queijo dentro da geladeira. Pensara se o Felipe deixou algum recado na secretária eletrônica. Pensara se tinha coragem em, ainda, falar com o Felipe.
Acho que preciso dormir durante três dias.
Manu tinha 27 anos e já carregava o mundo em suas costas. E o mundo pesava.
Depois do ônibus percorrer os quarenta minutos, Manu chegou em casa. Não olhou no relógio para não se assustar em acordar daqui a pouco, mas tinha a ciência de que passara das dez e meia da noite.
Amarrou os cabelos. Jogou a bolsa no sofá. E foi para cozinha.
Lavou as suas mãos, que por sinal, não estavam com as suas unhas feitas. Eu já disse para vocês que a Manu não ligava para vaidade?
Que fome! Foi a única coisa que conseguiu pensar naquele instante.
Fez o lanche e foi sentar-se no sofá. Cruzou as pernas e devorou aquele pão com presunto. Acabara o queijo. Mas ela não se importou.
Foi conferir os recados da secretária eletrônica enquanto pegava as migalhas que caíra no tapete centralizado em sua pequena sala.
Um dos recados era de sua mãe: " - Manuella, há três meses que você não aparece em casa para nos visitar. Está tudo bem, filha?"
Manu sabia que não estava tudo bem, até ouvi o recado de Felipe.
Felipe?
Sim, era o Felipe.
Quanta ansiedade e quanta frustração. Felipe só deixou o recado dizendo que buscaria suas coisas no dia seguinte. Os dois estavam separados. Mas os dois se amavam.
Jogada no sofá, Manu se perguntara o que ela fez de errado durante esses dois anos juntos. Por mais que tentasse, ela não sabia responder seus pensamentos.

~*~

Mas a vida, de um dia para o outro, metaforicamente falando, deu um salto. Manu já estava em outro estágio de sua vida. 
Depois de alguns meses, o seu carro já estava inteiro. O mundo não pesava tanto quanto antes, no início. E parou de ouvir a secretária eletrônica.
Visitava sua mãe que morava em outra cidade. Não com tanta frequência, mas fazia de tudo para que a rotina não fosse a culpada.
Sentia-se feliz com o casamento. Sim, Manu se casou. Manu estava feliz.
Certo que ela tinha uma vida ainda muito corrida, e que não mudara o fato de ela, ainda, fechar a porta do escritório após às nove horas da noite.
As mudanças começaram quando ela decidiu tomar coragem e encarar tudo. Não foi fácil. Passou por bocados por amor. Mas parecia-se tão realista que isso a incomodava de vez em quando. E foi por amor. Sempre foi.
Certa noite, chegou de seu escritório, e a janta já estava pronta. Era engraçado, pois ela não se acostumara com tantos mimos. Manu adorava ser mimada.
O seu esposo estava no quarto, arrumando algumas peças de roupas. As roupas que, um dia, ele pensou em buscá-las num tal dia seguinte.
Manu ficou em pé, escorada no batente da porta de seu quarto. Observando e encarando com um olhar surpreso os movimentos de Felipe. Ele era tão cuidadoso com os afazeres, que não tinha nem percebido que a Manu estava ali, há dez minutos observando-o.
Minha linda!
Manu sorriu.
E dali em diante, percebeu que jamais esqueceria do dia seguinte, em que se declarou em seu apartamento, com os olhos cheios de lágrimas, a Felipe. Jamais esquecera do abraço que o Felipe lhe deu, após um fim que não tinha fim.
Felipe a amava. Muito. E sempre.
As coisas não são simples, mas se tornariam difíceis se a Manu deixasse sua grande razão de continuar a viver, partir.
Ela não deixou. E ele não partiu.
Já estavam ali desde sempre. E para sempre.
Para sorte de Manu. E para o acaso surpreendê-la.

~*~