Clarice não tinha mais forças para chorar. Chorou o que tinha que chorar. E não aguentava mais.
Não aguentava aquela situação perturbadora. Clarice queria também ser notada. Ninguém notou a sua dor ilhada dentro de si.
Assim que amanheceu, Clarice enxugou as lágrimas. Sim, ela passou a noite chorando. Não deveria, mas foi preciso.
Ouviu um barulho no trinco da porta e, automaticamente, retornou à cama. Se debruçou com o travesseiro para engolir o resto do choro.
Lá estava o Paulo voltando de algum lugar que não seria o seu escritório de sei lá o quê. Assim que trancou a porta, jogou as chaves na mesa de centro da pequena sala de estar de um apartamento que ele e a Clarice construíram juntos.
Paulo se jogou no sofá. Clarice permanecia fingindo que estava dormindo. Ou quase isso.
Não sei qual era o pretexto de Paulo ao se justificar que ficou até mais tarde no trabalho. Clarice acreditava nele. Só não acreditava em sua mente inquieta.
Assim que o sol refletiu um brilho avassalador na janela do quarto do casal, Clarice despertou e se dirigiu até a sala.
- Paulo?
O Paulo dormia como um anjo que caiu do céu destrambelhado.
E então, Clarice decidiu em não despertá-lo. Retornou ao seu quarto, pegou uma mala, colocou algumas roupas e acessórios dentro dela, se vestiu com uma calça jeans escura, uma blusinha estampada e calçou uma sapatilha branca com poucos detalhes. Ainda assim, permaneceu calada. Arrumou os cabelos ruivos, e além disso, arrumou a cama do casal. Assim que sentiu que estava pronta para partir, Clarice pegou a sua caderneta, caçou uma caneta numa das gavetas da cômoda e escreveu o que sentia. Destacou a pequena folha decorada com flores e a deixou no centro da cama. E partiu. Sem lágrimas e sem bater a porta.
O telefone tocou, Paulo acordou assustado. Correu para atender a ligação, mas não deu tempo. Viu que o relógio apontava dez e trinta da manhã. Tentou raciocinar com o que se passara antes disso. E fingiu que estava tudo bem.
Ele olhou para a porta do quarto onde ele e Clarice dormiam. Se direcionou até lá, e assim que chegou na porta do quarto, viu que a mulher que sempre o amava em dobro não estava mais deitada naquela cama como antes.
Ele viu que era o fim: um bilhete no centro da cama.
Se sentiu culpado, mas nem por isso deixou de se sentar na ponta da cama, olhar para o pequeno papel e lê-lo.
"Paulo, meu grande amor que sempre amei. Tive que partir. Não quis te incomodar com o meu choro abafado, e nem te dar satisfações das quais eu sempre pedia a você. Talvez a minha precipitação fosse o meu grande erro. Talvez a sua falta de atenção fosse o motivo da minha partida.
Um dia, voltarei e falarei para ti que estou bem. Mas, enquanto esse dia não chega, assim vou trilhando o meu caminho. Sozinha. E em silêncio.
Até breve.
Clarice."
Por incrível que pareça, Paulo também chorou. E chorou sozinho. Chorou por tudo aquilo que ele não tinha feito por Clarice, mas também chorou por alívio.
Não sei se um dia eles voltaram a se reencontrar. E se voltaram, talvez o silêncio fosse o pretexto, pois o destino já não existia mais. Não para os dois. E não para as lágrimas.

A Ellen Visitário nasceu um ano antes da metade dos anos noventa. Agora ela é graduanda - desde o 1º semestre de 2014 - no curso de Jornalismo do Centro Universitário FIAM FAAM em São Paulo. É redatora e moderadora no Blog Rock 80 Brasil, colaboradora no The Backstage Blog, no site Mundo Blá e resenhista no blog Roendo Livros. Atuou como assistente de comunicação na empresa News Prime. Já colaborou com os seus textos no Portal Zona Livre, no Flash Press, no Casas dos Focas; entre outros espaços. Além de gostar de escrever, ela é sensata, ama Literatura e não dispensa um café.