quinta-feira, 8 de março de 2012

Cálice.

Pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue...
Como beber dessa bebida amarga, tragar a dor, engolir a labuta. Mesmo calada a boca, resta o peito, silêncio na cidade não se escuta. De que me vale ser filho da santa, melhor seria ser filho da outra.
Outra realidade menos morta. Tanta mentira, tanta força bruta.Como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano. Quero lançar um grito desumano que é uma maneira de ser escutado. Esse silêncio todo me atordoa, atordoado eu permaneço atento. Na arquibancada pra a qualquer momento ver emergir o monstro da lagoa.De muito gorda a porca já não anda, de muito usada a faca já não corta.
Como é difícil, pai, abrir a porta. Essa palavra presa na garganta, esse pileque homérico no mundo.De que adianta ter boa vontade mesmo calado o peito, resta a cuca. Dos bêbados do centro da cidade.Talvez o mundo não seja pequeno, nem seja a vida um fato consumado.
Quero inventar o meu próprio pecado, quero morrer do meu próprio veneno. Quero perder de vez tua cabeça, minha cabeça perder teu juízo. Quero cheirar fumaça de óleo diesel.
Me embriagar até que alguém me esqueça.
(Chico Buarque)

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